“A IMPRENSA PRECISA DE SER PROTEGIDA”

Eduardo Vítor Rodrigues
12-05-2021 | 17:30 | | |

“A IMPRENSA PRECISA DE SER PROTEGIDA”

Escrito por O Gaiense

Estando esta entrevista programada para a edição do 19.º aniversário de publicações de O Gaiense, perguntava-lhe pelo primeiro jornal que ‘entrou’ nas suas memórias e quando?
A minha memória mais antiga é a de ir ao café com o meu pai, ao domingo de manhã, e depois de atravessar a rua para comprar a regueifa, o meu pai comprar o JN e ir para o café ler o jornal. Já na altura os jornais eram caros, tirando os barbeiros não havia o hábito de ter os jornais nos cafés - onde eram vendidos também - e esse hábito era semelhante ao que tenho hoje depois de comprar o Expresso. Estávamos numa altura em que não havia internet e a leitura do jornal provocava um certo efeito de tertúlia, naqueles momentos. É preciso não esquecer que eu sou um jornalista (risos)...

Diretor do jornal da Universidade do Porto


Sim, é um facto, foi chefe de redação e diretor do ‘Jornal Universitário do Porto’, de 1992 a 1994...
Não tinha vocação para a associações de estudantes e escrevi algumas coisas a propósito do aniversário da Reitoria. Nessa altura, o jornal entrou em ebulição, numa espécie de combate entre a esquerda e a direita, na discussão da questão das propinas. Aconteceu um convite e assumi primeiramente a chefia de redação, para evitar que o jornal colapsasse. O diretor, Rui Amaral, viria a demitir-se, num momento em que o jornal, que era trimestral, passou a ser todo a cores, mudou o papel e conheceu uma série de alterações. O reitor na altura era o Alberto Amaral, uma grande figura, alguém curiosamente muito próximo dos estudantes. As pressões eram muito grandes.
Tive de deixar o jornal já no final do curso, quando tinha uma leve esperança de fazer Erasmus, o que acabei por não fazer porque comecei a fazer contas, mais às notas do que às notas propriamente ditas, e percebi que podia estragar o meu trajeto académico. Hoje, felizmente, o jornal continua a editar-se mas na altura corria o risco de desaparecimento. Mas o que eu gostava mesmo era de ir para o JN, acompanhar a produção. Quando havia uma gralha, ia toda uma película para o lixo.

Pensou algum dia seguir a carreira de jornalista?
Não. Na verdade, também não tinha tempo. Note-se que para além da coordenação do jornal, fazia sempre uma peça em todas as edições do nosso jornal universitário, ou seja, dirigia e participava no processo. De que forma acompanhou a polémica das propinas? Era obviamente contra mas não propriamente contra o pagamento de propinas mas sim contra a forma como o ministro Couto dos Santos armou aquilo tudo. Hoje sou capaz de aceitar que haja propinas, mas não fui capaz de aceitar foi que, sem qualquer razão objetiva, surgisse um ministro a dizer ‘a partir de agora toda a gente paga’. Vi por mim. Estive em risco de deixar de estudar. Pagar propinas não me parece mal, o que me parece mal é implementar um sistema de propinas sem ter no terreno um programa de ação social escolar. E em Letras andava a malta mais desfavorecida. Apesar de na altura ter uma certa fama de radical, tentei ser um fiel da balança para não radicalizar o jornal pois este iria à vida.

Os livros são para riscar

Como olha para o futuro da Imprensa e que relação tem com o jornal em papel?
Eu leio o jornal em papel embora tenha assinaturas online. Mas as assinaturas online servem sobretudo para que eu faça um arquivo pessoal. Ainda sou do tempo de riscar os livros, gosto, por isso, do papel.  Sim, os livros são para riscar, embora ninguém vá riscar a Bíblia. Os livros são para ser manipulados. Não é como ter um carro e nunca o usar, deixando-o na garagem. Quanto ao futuro da Imprensa, se não tivermos na Europa a coragem que está a existir, por exemplo, na Austrália, onde se obrigam as grandes plataformas a pagar pelos conteúdos,  hoje usados de forma devastadora, corre-se um risco. Numa altura em que se fala tanto de literacia, não entendo como não se fala no retorno do porte pago, que era uma forma de facilitar a chegada dos jornais às pessoas. Nós, Câmara de Gaia, fizemos uma experiência que só não repito porque temo que possa ser questionada do ponto de vista jurídico - na altura do confinamento, oferecemos meio ano de assinatura digital do JN aos professores e foi espetacular.
 

Perigo de ‘facebookização’
 

Houve grande adesão? A adesão foi brutal. Mas também não se pode pedir aos professores que façam este investimento. Ou aperfeiçoamos isto ou a Imprensa vai-se ‘facebookiar’.
A União Europeia tem de ter consciência de que a produção de conteúdos tem custos e por vezes muito elevados e que estes têm de ser entendidos como um serviço público que está a ser prestado pelos media. Hoje, quando se concede um financiamento a um jornal parece que estamos a fazer uma compra. Os jornais têm que ser comparticipados. Não há hoje publicidade que aguente os jornais mesmo quando eles se afirmam por via de uma plataforma digital. A prova disso é que no momento da pandemia o Governo fez o que Gaia fez, ou seja, ajudou os jornais comprando publicidade. Se não entendermos isto como um serviço público, os jornais degradam-se e colocam-se os jornais nas mãos dos grandes interesses e degrada-se a democracia. Isto deve ser feito sem contrapartida. Tal como acontece com as juntas de freguesia, os protocolos dos jornais em Vila Nova de Gaia são protocolos de mandato. Posso ficar às vezes aborrecido com uma notícia mas isso não pode interferir com a relação da Câmara com os jornais.
 

Olhando para a Imprensa Regional e Local, como entende a sua importância e que papel entende que deve ser cumprido?
A Imprensa Local é a monografia das terras. Vejo-a como exequível num programa no qual os municípios dotem as escolas e as coletividades de órgãos de comunicação social. Os jornais só entram pontualmente nas escolas. Se os jornais não forem lidos na escola, quando é que vão ser  lidos depois? Gostava muito de ver os jornais entrar pelas escolas dentro mas se comprar assinaturas para tudo quanto mexe, certamente serão colocadas questões. Fazia sentido que fizessemos chegar todas as semanas às escolas os jornais. É serviço público, tal como os transportes. O Norte pode vir a ser favorecido com as mudanças de administração nos grandes grupos de Media? No caso da Global Media, do JN, espero que não se perca o que já estava a ser feito. Quanto à TVI, tem havido alguns sinais.

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