FILIPE RODRIGUES EXPÕE NO ESPAÇO CORPUS CHRISTI

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25-03-2022 | 20:25 | | |

FILIPE RODRIGUES EXPÕE NO ESPAÇO CORPUS CHRISTI

Escrito por Eugénio Queirós

A exposição que o Filipe Rodrigues vai inaugurar, amanhã, sábado, 26 de março, às 17 horas, no Espaço Corpus Christi, Gaia,.

Uma exposição assim apresentada pelo jornalista gaiense VÍTOR PINTO BASTO.

CHAMAMENTO QUE ENCANTA A PROCURA

As palavras devem ter sabor. Bem dizia Roland Barthes, que acrescentava: “No domínio do saber, para que as coisas se tornem no que são, no que foram, é necessário um ingrediente, o sal das palavras”. E sintetizava que um escritor deve possuir “a obstinação do espreitador”, sendo que para se obstinar o escritor deve deslocar-se, conduzir-se, até onde não é esperado e ter a coragem de “abjurar” o que se escreveu (mas não o que se pensou) quando o que se escreveu é utilizado e subjugado pelo poder dominante. Direi que é nessa renúncia ao que é dominado que se dá o passo para o devir, como se a substância do que somos esteja em saborear os nossos continuados pequenos momentos. Talvez por isso, no final da lição que deu no Colégio de França (1977), tenha admitido que “há uma idade em que se ensina o que se sabe mas surge em seguida outra em que se ensina o que não se sabe: a isso se chama procurar”. Para germinar esse ímpeto existencial admite que se deve “deixar germinar a mudança imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas e das crenças - a idade do desaprender, a idade da “Sapientia”. Idade essa com “nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria e o máximo de sabor possível”.

Na arte, as palavras são chamadas a interpretar a força imagética do objeto artístico (que não deverá merecer apenas fruição) e dão-lhe sabor, por fertilizarem a estupefação e assim o entendimento. Com palavras também se saboreia a mensagem desse objeto e facilmente as palavras se desligam quando a obra banaliza o instante e por isso se torna ineficaz por apenas distrair. Arte que surpreende, captura os sentidos e o que lhe dá forma, acrescenta – essa será a sua essência. Tal como as palavras, o objeto artístico deverá ter sabor, ter força e magia para cativar não só a emoção como o pensamento. Arte que surpreende, faz agir – essa a sua motivação, irradia, existe, traz vida.

 

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Na pintura, que sempre se reinventa – longe vai a anunciação da sua morte – a tinta transforma as palavras num interessante e maravilhoso dialeto. Acredito que a reinvenção continuada da pintura (tal como outras formas estéticas) está relacionada com o seu papel social: a pintura também ajuda a tentar que o humano seja melhor humano e, assim, ajude, à boa ideia preconizada por Ernst Fischer, a transformar o mundo sem eliminar “o resíduo mágico” da arte que surpreende o nosso entendimento e assim o leva a ter nas palavras o sal que nos encanta e dinamiza.

Os trabalhos de Filipe Rodrigues transportam-nos para a convicção de ser o resultado de uma intensa reflexão. Trazem-nos emoção mas nota-se que não são movidos por desequilibrados gestos repentistas. Há neles uma força intrínseca, uma mensagem tonificada com adequada emoção, um apelo ao que de melhor há em nós para sairmos de nós e tentar procurar a mensagem que ressalta nas suas obras.

O Filipe Rodrigues encaixará, sem qualquer tipo de rigidez estética, ao que Fisher dizia ser o papel de um artista, que deve “dominar, controlar e transformar experiência em memória, a memória em expressão, a matéria em forma” sem ser dominado pela emoção. Não vejo, por isso, a obra de Filipe Rodrigues como sendo servil da “inspiração embriagante”, mas, sim, como “realidade dominada” sem que seja eliminada aquela força substancial que dá magia a uma obra de arte e por isso nos atrai. Quero com isto dizer (reconhecendo, porém, não ter do meu lado todas as analíticas certezas) que há na arte de Filipe Rodrigues algo mais do que apresenta, sugere, atrai a procura e isso seduz, faz agir, por isso admito haver no seu trabalho uma intenção social: a de que o humano deve sair dos seus saberes para, tal como Barthes incitava, procurar outros entendimentos, não ficar apenas pelo humano do Ter mas fazer-se continuadamente em busca do humanizado Ser.

Nesta série de trabalhos datados entre 2017 e 2021, Filipe Rodrigues admite que eles são motivados por interesses específicos pessoais, artísticos, iconográficos, literários. Neles haverá uma clara intenção, concetual, talvez biunívoca, de criar encantamentos e chamamentos. Uns refletem-se nos outros. Nalguns trabalhos, o artista envolve-se, não como autorretratado mas sugerindo-se como mais um elemento de uma realidade ficcionada, um pouco como na literatura de Philip Roth em que o autor surge como mais um personagem da sua obra. Noutros trabalhos, fecunda memórias (libertando-se da sua subjetividade e transmitindo-a para os outros), seja com amorosas cenas de família, através do elogio subtil da mulher, a forma da casa (que pode ser sua como de qualquer um), ou, entre outras imagens, das escadas e do que elas simbolizam tanto como encaminhamento ou como fuga.

O que também surpreende na pintura do Filipe Rodrigues é o seu trabalho exaustivo da cor e das suas múltiplas tonalidades. Não fixa a cor com a rigidez de Klein. Admito que não terá essa pretensão. Mas expande-a com uma serenidade enternecedora. Nessa busca das muitas tonalidades de uma cor parece querer transportar a mensagem de que o nosso entendimento deve ser absorvido pela surpresa e por palavras de uma candura que apetece saborear.

O seu traço, sugere, singular propósito. Nos seus desenhos a tinta japonesa, coloca-se nessa mundividência oriental e experiencia outra cultura, outro continente, outros mundos deste nosso mundo, mostrando-nos pequenas histórias, sonhos, sem o rigor objetivo do registo fotográfico. A figura, para Filipe Rodrigues, sugere, num quadro com capítulos imbuídos de chamamentos enternecedores ou de serena inquietação. A maneira como pinta as suas histórias, como utiliza as cores, como só ele tão bem sabe, são um convite à singular viagem que anima o que de emoção há na razão. As suas obras não fazem apenas um convite meramente contemplativo, não nos levam apenas o olhar, dão sabor aos sentidos e ao pensamento, convidam-nos a pensar. E a agir. E isso faz bem, é arte. Em Filipe Rodrigues, que sugere, tal como dizia Barthes, ter “nenhum poder e um pouco de saber”, o pintor tenta dar “o máximo de sabor possível” não só às palavras ou do que com elas se constrói quando olhamos os seus quadros em que não faltam motivos aparentemente rudimentares que encantam.

Porque é de vida que a sua pintura fala. Com um eficaz chamamento que encanta a procura.